Meu primeiro contato com a morte veio dentro de um aquário.
Eu tinha nove anos quando o peixe morreu. Um beta vermelho, nadando sozinho num mundo pequeno sobre a cômoda do meu quarto. Não lembro o nome dele, mas lembro da maneira como ele se movia. Eu gostava de observá-lo, achava tudo tão solitário. Meu pai dizia que peixe beta não pode ter companhia. Decidi cuidar.
Naquele dia, o calor era sufocante. Teresina. Peguei um copo de água gelada na cozinha e tive uma ideia. Trocar a água do aquário. Refrescar o peixe. Eu já tinha feito isso antes. E ele tinha sobrevivido. Tinha nadado. Tinha vivido. Uma vez ele teve um pequeno choque térmico. Mas voltou.
Achei que daquela vez seria igual.
Derramei a água nova com cuidado. Observei. No começo, nada aconteceu. Depois, ele parou de nadar. Ficou imóvel. Desceu devagar, depois subiu boiando de lado. Os olhos opacos. A cauda sem ritmo.
Fiquei ali, parada, esperando que ele voltasse a se mexer. Bati de leve no vidro. Chamei. Rezei ou algo parecido com rezar. Mas ele já não me ouvia. Era só corpo. Era irreversível. Chorei.
Não havia sangue, só ausência. Uma ausência de resposta. Algo que nunca tinha acontecido comigo antes: amar uma coisa viva e vê-la morrer por causa de algo que eu fiz — mesmo com a melhor das intenções.
Peguei uma caixinha de fósforo e o acomodei ali dentro. Enterrei no jardim do condomínio, entre arbustos baixos. Cavei com uma colher. Mas precisava de um gesto que me desse alguma forma de perdão.
Foi ali, ajoelhada na terra, que minha ingenuidade encontrou a mortalidade. A ideia de que nem todo cuidado protege. Que às vezes o erro nasce do próprio amor. Que há perdas que começam com um gesto doce e terminam com um silêncio inaceitável.
Por muito tempo, pensei que não fosse capaz de cuidar de nada mais. Que o amor, vindo de mim, era perigoso. Ainda acho.
Mas hoje, muitos anos depois, há um cachorro que dorme na minha cabeça. Darwin. Meu primeiro cão. Me observa com olhos atentos, como se observasse o mundo com a delicadeza do pai da evolução que lhe empresta o nome. Cuido dele com todo o amor que tenho, mas também com o medo antigo de errar outra vez. Estou sempre no veterinário. Darwin vai completar 13 anos.
Talvez por isso o peixe volte à minha memória. Como um lembrete sutil daquilo que se perde sem que se queira perder. Da criança que um dia trocou a água achando que era gesto de amor. E descobriu que amar, às vezes, não impede a morte.
Bela e triste história!